sexta-feira, 16 de março de 2012

O Racismo dói

Hoje senti uma vontade imensa de dividir com quiser saber e também com quem sente na pele o mal que me causa o racismo velado, escondido e dissimulado por um mito de 'democracia racial' que mantém os brancos no poder e segrega os negros às classes sociais pobres.

Ontem, 15/3/12, assisti o Programa Conexão Repórter Emicida: Rei da Rua no SBT, eu considero o Emicida um dos nossos grandes negros guerreiros. Ele é filho da Dona Jacira: uma mulher negra que lutou muito para poder trabalhar, criar seus filhos e estudar.

No programa Conexão Repórter, o rapper Emicida relatou que há dois meses foi levar o lixo pra fora de sua casa e foi abordado por um policial que apontou um arma para ele, lhe intimidando com uma violência desnecessária ao serviço de policiamento, e este mesmo policial quando o reconheceu na mesma hora guardou sua arma, pois ele é um artista reconhecido pela mídia. 
Mas será que todo mundo sabe quem é o Emicida?
E quantos Emicidas e quantas vezes o próprio Emicida foi abordado por policiais armados que o agrediram e o violentaram física e psicologicamente somente por causa da cor da sua pele?

Eu sei o que é sentir o racismo na pele, basta eu sair da minha casa que já estou exposta ao racismo, causando estranhamento por exemplo, por ser aluna do curso de Mestrado da EACH na Universidade de São Paulo, aonde mais de 90% dos estudantes e dos professores são brancos e a maioria dos negros são trabalhadores operacionais. Assim como eu, muitos estudantes negros na USP sentem esse deslocamento e o "olhar enviesado" como já descreveu Milton Santos no artigo Ser negro no Brasil hoje.
O racismo é uma forma de terrorismo, é um crime contra a humanidade reconhecido pelos países membros da Organização Nações Unidas, inclusive pelo Brasil.

Os negros no Brasil já são mais de 50% da população e são oprimidos por um sistema que favorece uma minoria branca que está no poder, uma minoria rica, assassina, corrupta e arrogante.

Ser negro no Brasil é suportar, "além do olhar enviesado", todo tipo de violação de direitos básicos e também a violência da polícia, que discrimina o "perfil do marginal" pela cor da pele, como já denunciou o jornalista Caco Barcelos no livro Rota 66.
Assim como o Emicida, eu também tive a sorte de ser criada por uma mãe guerreira que me ensinou a lutar contra o machismo e o racismo. Uma mulher feminista e independente, a qual devo a minha forma de encarar o mundo e encarar o preconceito de cabeça erguida, mas isso não significa que eu não sinta o mal do racismo.
E mesmo com todas as defesas físicas e psicológicas que eu adquiri ao longo da minha existência o racismo sempre dói. E o não reconhecimento da existência do racismo também dói.

Dói ouvir um homem ou uma mulher branca, que não sofre de racismo, dizer por exemplo que: "hoje o racismo nem é tanto assim", como se eu devesse agradecer por isso e pensar: "nossa, que bom que não sou açoitada como foram os meus tataravós, mesmo sofrendo racismo todos os dias".

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Não tem graça nenhuma chamar cabelo de bombril, Tatimidia

No dia 26/10/2011 eu assisti a reprise do programa Altas Horas e não consegui terminar de assistir o programa pois fiquei muito indignada com o quadro do humorista Rodrigo Sant'Anna:


No mesmo dia eu escrevi uma carta para Serginho Grosiman, que até hoje não me respondeu.
Hoje compartilho com vocês essa carta e o meu sentimento em relação ao que se tem chamado de "humor" na TV.

"Serginho Groisman,
Hoje, 26 de setembro de 2011, assisti a reprise do Altas Horas no Multishow, mas não consegui assistir ao programa todo depois de ver a performance do comediante Rodrigo Sant'Anna.
A tal performance, na qual Rodrigo Sant'Anna interpreta uma mulher pobre e negra que chega pedindo trocados, falando errado e ainda narra uma cena de enchente - tragédia vivida por muitas famílias pobres e negras - ele satiriza o cabelo das filhas da personagem confundindo-os com bombril e ainda descreve uma cena em que uma das filhas da personagem faz xixi no pé de alguém.
Gostaria de deixar bem claro que esse tipo de "humor" causa dor em muita gente e foi assim que eu me senti, pois essa cena remonta a minha infância na qual eu sofri muito bulling por causa do meu cabelo e estou certa de que muitas crianças negras ainda o sofrem. Esse tipo de racismo, praticado de maneira humorística, não deixa de ser racismo, não deixa de ser um ato violento e não deixa de atingir suas vítimas. O cabelo africano é esteticamente relacionado ao feio, à palha de aço a algo que deve ser "tratado" - como se fosse uma doença - para que ele fique liso e "belo", como muitas mulheres têm feito quando alisam e passa a tal chapinha para esticar os cabelos.
Tenho muito respeito pelo seu trabalho, que conheço desde o programa Matéria Prima da TV Cultura, e também creio que não tenha sido essa a sua intenção ao convidar o tal ator para o seu programa.
Também sei que a questão do combate ao bulling já foi tratada várias vezes em seu programa de maneira muito séria e profissional.
É por todos esses motivos que eu lhe escrevo para descrever o quanto essa cena me feriu a ponto de eu não conseguir nem terminar de assistir a tal performance e o restante da última edição do Altas Horas.
Eu sou jornalista e desde minha especialização em Mídia, Informação e Cultura - no Celacc/ECA/USP - venho pesquisando sobre a cultura afrobrasileira e a questão do racismo na mídia.
Sou uma mulher assumidamente negra - embora muitos me achem clarinha demais para tanto - e também assumo o meu cabelo natural, embora outros insistam que eu deveria alisá-lo com frases do tipo: "seu cabelo não é tão ruim assim, faça um tratamento que ele vai ficar liso e lindo".
Peço encarecidamente que a produção do programa encaminhe essa mensagem para você e que eu possa obter um retorno sobre suas considerações a respeito deste assunto.
Grata pela atenção,
Tatiana Cavalcante"

E você, o que acha dessa performance?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

ALTO LÁ, Tatimidia

Propaganda racista que objetifica a Mulher Negra
Alto Lá
Antes de mais nada: RESPEITO
É tudo o que a mulher negra merece
Merece RESPEITO
E também LIBERDADE

Não aquela lá da Abolição
Que aboliu também nossos direitos
Ao trabalho registrado
Ou ao nosso pedaço de chão
E continuamos sob os açoites
 
 
Nilza Iraci, jornalista - representou as mulheres brasileiras
nos debates da 66ª sessão da Assembléia Geral da ONU
Deixamos de ser cunhãs
Viramos Empregadas Domésticas
E esperamos mais 100 anos
Pra legalizar essa profissão
E continuamos sob os açoites

Mas os nossos corpos continuam sendo usados
Pela propaganda de cerveja
Devassa Negra é aquela falácia do Gilberto Freyre
O sonho erótico do filho da Casa Grande
Devassa Negra foram os seguidos estupros na Senzala
Pelos donos de mulheres negras escravizadas
Que tinham plenos direitos
Para devastar os nossos corpos
E continuamos sob os açoites

E hoje, ainda bundalizadas
E subjugadas pelo nosso corpo
Lutamos contra isso
E erguemos as nossas bandeiras
A mulher negra é juíza, é benzedeira
É advogada, curandeira
É jornalista e parteira
E continuamos sob os açoites
Isabel Fillardis, atriz e Katleen Conceição, dermatologista   


Por tudo isso a mulher negra
Merece ainda mais RESPEITO
Principalmente o respeito daqueles
Que têm as suas cuecas lavadas
E seus filhos educados
Pelas mulheres negras
Que continuam sob os açoites

Militantes ativas das conquistas
Da sua luta diária
Coletiva ou solitária
Viva a luta pela liberdade
Contra a violência dos açoites
Salve as Mulheres Negras
  Luislinda Dias de Valois Santos, juíza 
Salve as Negras Guerreiras
Alto Lá
Antes de mais nada: respeito
É tudo o que a mulher negra merece
Merece respeito
E também liberdade
É pela dignidade que se reconhece

O SISTEMA PENAL DA VIDA, Tatimidia



É muito cruel
O sistema penal da vida
Pois muitos jovens
Vivem uma vida suicida
Traficantes
Trancafiados
No sistema penal da vida
Estado e violência
Prá quem é a assistência
Os patrões da roubalheira
São tratados com muita decência
Todas as contas
Todos os gastos
Do rico ou dos pobres
Pagam impostos
E alimentam
Os poderosos
No sistema penal da vida
A polícia só prende os pretos e os pobres
Supremacia branca estabelecida
Desvia verbas
E vende uma imagem comovida
No noticiário
Tem lugar marcado
Põe o branco se dando bem
E o preto trancafiado
No sistema penal da vida

A política da mídia
É branco na universidade
E preto no presídio
Deus, tende piedade
E resguarde outra oportunidade

Ações afirmativas sim
Será assim
Que teremos
Negros médicos, negros juízes
Negros arquitetos
Negros do outro lado
Julgando os crimes
Do colarinho branco
E assim eles vão conhecer